segunda-feira, 15 de abril de 2013

Entrevista concedida - Deixe de ser teimoso... e leia

Insistir na mesma solução, quando tudo indica ao contrário, é sinal que é hora de mudar.
 
Da redação - Site Folha Universal
 
Foram nove pragas. Rãs encheram a terra, águas se transformaram em sangue, infestação de piolhos, moscas, peste, úlceras pelo corpo, chuvas de pedras, gafanhotos e escuridão. Nem assim Faraó deixou seus escravos hebreus seguirem Moisés. Com a décima praga, morte dos primogênitos, deixou o povo ir. Só para, em seguida, mudar de ideia e perseguí-los até o meio do Mar Vermelho. Em outra história, Jonas se recusou a pregar em Nínive para evitar que o povo da cidade se arrependesse e fosse perdoado por Deus. Jonas não gostava dos ninivitas e queria porque queria que eles fossem destruídos. Escritas há milênios, essas histórias bíblicas mostram que a teimosia acompanha a humanidade desde sempre.
 
A criança de hoje cruza os braços. Inclina a cabeça para o lado, desvia o olhar, arma o bico e se faz de surda. Não há meio que a demova daquela posição – a não ser, claro, que façam o que ela tanto quer. Imagem infantil que, no mundo adulto, pode até sofrer maquiagem, vir com outros trejeitos, cheio de palavras, mas se repete com frequência.
 
“É característica humana, em alguma circunstância qualquer um de nós vai ser teimoso”, alerta a psicóloga Roseleide da Silva Santos. “Algumas pessoas são mais teimosas do que outras, mas isso não significa um perfil, um traço de personalidade”, ressalva.
 
A Folha Universal encontrou quem se entenda teimoso – não que tenha sido difícil. Todos aceitaram falar, principalmente porque também viram evolução diante desse comportamento. “Afinal, o que não se pode é ficar parado no mesmo ponto”, acrescenta Roseleide.
 
Isaac Rodrigues, de 21 anos, percebe, com 5 anos na mesma empresa, agora como assistente de suporte técnico, o quanto dificultou sua entrada no mercado de trabalho por pura birra. A mãe incentivava, mas ele, como é praxe dos filhos, contrariava. “Ela é do Nordeste, onde o pessoal começa a trabalhar cedo. Falava sobre isso, para que eu pudesse ganhar meu dinheiro e não ficar pedindo”, lembra Rodrigues, que, por ter tudo à mão, nem sequer se esforçou na entrevista para o emprego. “Nem estava vestido a rigor.”
 
Conquistar a vaga não representou mudança imediata. Diante dos novos colegas, orgulhoso, não admitiu que tinha, àquela época, apenas conhecimento básico de informática. “Falei que manjava de tudo! Os caras, então, resolveram me zoar. Entregaram uma placa-mãe e falaram para eu fazer funcionar. Fiquei 15 dias quebrando a cabeça para arrumar aquilo e depois me dizeram que a peça estava quebrada. Só por causa da teimosia, insisti, não pedi ajuda e deu nisso.”
 
A virada veio há 3 anos. Com a morte de seu pai, viu-se no papel de homem da casa. “Acabei me tornando mais racional do que emocional, sem agir pelo sentimento, com raiva”, reconhece.
 
A psicóloga concorda: “Teimosa, a pessoa vai se fechando, se limitando. Diante das dificuldades nós temos escolhas a fazer. Ou enfrento aquele obstáculo ou paraliso. Pode ser a grande chance de desenvolvimento pessoal”.
Rodrigues sabe que ainda não escapa da teimosia de vez em quando. A diferença é reparar. “A gente erra, o problema é insistir no erro. Estou aprendendo e chego lá”, anima-se.
 
A auxiliar de importação Andressa Terra Leite, de 20 anos, acredita ter chegado lá – ou quase lá – e se gaba de transformar teimosia em perseverança. “Hoje penso na consequência das minhas ações, no que pode me render no futuro. Nada de ‘no impulso’. Me tornei mais decidida, sei o que quero, sigo e vou conquistando”, garante.
 
Segundo Roseleide, é comum confundir teimosia com persistência. Por isso, vale esclarecer: “Vai ter uma hora em que se atinge o limite. Conquista-se o objetivo ou não. Pode ser por algum empecilho da situação ou da pessoa. A diferença está em como encarar o limite. O persistente vai raciocinar sob outra perspectiva, criar ajustes. O teimoso vai insistir naquele mesmo e antigo objetivo”.
 
Andressa, consciente disso, até já usa sua experiência para ajudar os outros. “Tento mostrar a importância de parar e analisar”, resume. “Uma amiga está vivendo um problema de teimosia ligado à vida sentimental. E eu busco orientar. É difícil, porque a pessoa fica cega. Tem de acalmar, fazer refletir, ajudar a observar todas as variáveis.”
 
Andressa, assim como Rodrigues, teve, primeiro, de passar por processo de indecisão, até de inércia. Não conseguia decidir que profissão seguir e preferia enrolar no cursinho pré-vestibular. Teimava, apesar da insistência dos pais, à sombra dos amigos já iniciando a faculdade. Ao mesmo tempo, aceitara uma promoção que, fora o status, pouca oferecia em relação a melhores condições e salário. “Tinha medo de escolher o caminho errado e ter de fazer de novo”, confessa. “Só que, quando reparei, estava atrasada.”
 
Ela avalia que sua teimosia fosse resultado da junção de sua personalidade – “de ser muito independente, ir atrás sozinha do que queria”, como descreve – e da adolescência, quando os jovens se revoltam e teimam mais do que o normal.
Outro teimoso, porém, prova que a questão não está relacionada à idade. José Sopranzi Filho, o Seu Zé, de 60, relata seus anos dourados com certa condescendência. “Eu era... um pouco teimoso. Quando estava errado, teimava que estava certo. E não era raro”, diz.
 
“Quando se é jovem, você não está nem aí. Hoje, procuro escutar bastante e, se a pessoa está certa, muito bem”, contemporiza. “Mas, se não está certa, retruco e digo que não é aquilo o que está imaginando. Às vezes, tento ajudar, mas não tem jeito. Tem de deixar apanhar para ver se aprende”, teima.
 
Seu Zé tem um caso sobre o tema na ponta da língua. Eletricista, para agilizar a instalação de conduítes, comprou uma máquina que evitava a necessidade de quebrar a parede inteira. Um profissional que o auxiliava no serviço teimava em não usar. “Tentei falar de todo jeito, mas ele simplesmente não aceitava. Cheguei a ficar nervoso, mas deixei para lá. Usou a marreta e no fim do dia estava com o braço e a mão doendo.”
 
O divisor de águas, antes mesmo de encontrar o funcionário turrão, foi quando sua então esposa, há 12 anos, deixou a casa com as duas filhas. “Eu chorava dia e noite, cogitei dar um tiro na cabeça. Conversando com os amigos é que comecei a mudar, abrir meu coração para começar a agir de outra maneira”, recorda. “Minha ex- esposa quando queria alguma coisa era pior do que eu. Nem se importava em saber o que eu ia ter de fazer para conseguir. Dava muita briga”, lamenta.
 
Leonardo Sergio de Assis e Fernanda Mathias de Jesus Lafiandra, casados há 3 anos, sabem pelo que Seu Zé passou. “Sempre fui teimosa e confundia com persistência, só minha opinião era correta”, atesta Fernanda. “A teimosa era eu. Queria as coisas do meu jeito, não deixava o meu esposo opinar em nada em casa, principalmente na decoração.” Assis também se vê com culpa no cartório: “Muitas vezes, por exemplo, para mim, chegar em casa era tomar banho, sentar no sofá e descansar. Para ela, indicava a hora de começar o trabalho [doméstico]”.
 
Diferentemente das outras três pessoas com quem a Folha Universal conversou, o casal não precisou de evento específico para acabar com as desavenças. “Enxergamos que continuar na teimosia, desprezar o que está ao nosso redor para satisfazer só aquilo que achamos ser certo era pura perda de tempo”, ensina Assis.
 
Os dois fazem o que preconiza Roseleide. “Temos de aceitar o outro como é, não como queremos que seja. Senão, seremos egoístas. Relacionamento não é isso, e sim uma troca contínua”, avisa a especialista. De forma geral, para todos os teimosos, de plantão e ocasionais: o ideal é procurar entender você mesmo e o que está ao redor. “Considere o que as pessoas estão dizendo, pois quem te quer bem sempre vai sinalizar alguma coisa que possa estar indo mal. Se sentir-se teimando, não precisa divulgar para ninguém, faça sozinho esse processo silencioso de reflexão e reconstrução”, aconselha.
 
E nada de teimar com a reportagem, hein?