quarta-feira, 27 de maio de 2020

Robert Pattinson como Batman: Por que tanto hate dos fãs?


Ator entrou para a lista de escolhas que dividiram opinões: quando a opinião dá lugar à intolerância?

Victor Aliaga 


Quando Robert Pattinson foi escolhido para ser o novo Batman do cinema, os fãs ficaram divididos. Considerado um dos melhores e mais versáteis atores de sua geração, quem acompanha a carreira do ator ficou tranquilo com a escolha; no entanto, outra parcela não aprovou a contratação, disse que ele precisaria "fazer muita musculação" e até o estigmatizou como o eterno Edward Cullen da Saga Crepúsculo.

Passados uns meses, entramos em quarentena por conta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e, em entrevista à GQ, Pattinson declarou que não está malhando e aproveitou para reclamar da cultura de estar sempre em forma: "Ninguém fazia isso nos anos 1970. James Dean não era exatamente rasgado", disse. Afinal, quem está certo: o ator, que não quer seguir estereótipos de beleza, ou o fã, que quer um Batman malhado e com gominhos no abdômen no cinema?
Histórico de má aceitação nerd.

Esta não é a primeira nem será a última ocasião em que fãs xingarão muito no Twitter com escolhas de atores para adaptações ao cinema e à TV. Recentemente, apenas com a hipótese de Michael B. Jordan ser o primeiro Superman negro nas telonas, houve relutância por uma "descaracterização" do personagem -- perceba que o ator sequer foi confirmado no papel.

Estelar na série Titãs foi outro caso polêmico. A atriz Anna Diop, escalada para viver Kory Anders, virou alvo de ataques nas redes sociais por, novamente, "descaracterizar" a imagem de Estelar que os fãs tinham dos quadrinhos. Diop, uma mulher negra, interpreta uma alienígena com a pele alaranjada e cabelo escarlate.

Bem semelhante à Estelar foi o Doutor Manhattan na série Watchmen. No filme de Zack Snyder, Billy Crudup deu vida ao ser superpoderoso, enquanto que no seriado da HBO, Yahya Abdul-Mateen II se encarregou do papel. Novamente, reclamações pelo resultado final do personagem, representado por um ator negro e com mudanças em relação à criação de Alan Moore e Dave Gibbons nos quadrinhos.

Nestes três casos, a reclamação do nerd deu lugar ao racismo puro, com argumentos como "e se um ator branco fosse escolhido para interpretar um personagem negro, o que vocês achariam?", como se isso já não acontecesse e não fosse absurdo o bastante para se usar como contra-ponto. Basta ler em voz alta para perceber o ridículo e o intolerante.

Barbara Demerov, crítica de cinema do AdoroCinema, recorda três casos dessa má aceitação com mudanças em adaptações: Gênio de Will Smith, Gal Gadot como Mulher-Maravilha e Henry Cavill como Geralt de Rívia, na série The Witcher.

"Reclamaram do Gênio de Will Smith, sem saberem exatamente que o personagem seria azul na maior parte do filme. Gal Gadot é mundialmente reconhecida hoje por ser 'a' Mulher-Maravilha, mas também lembro muito bem do quanto reclamaram que seu corpo não era o ideal para interpretar a heroína", recorda. "E como esquecer de Henry Cavill sendo super julgado na primeira imagem de divulgação de The Witcher? Acho que ele fez um bom papel na série, mas as pessoas já julgaram fortemente de início, sem nem esperarem por trailers."

O mesmo julgamento caiu nas costas de Heath Ledger, que quando escalado para ser o Coringa de Batman: O Cavaleiro das Trevas pelo diretor Christopher Nolan, ainda tinha o filme O Segredo de Brokeback Mountain (2005) fresco na memória de fãs intolerantes que não suportavam um “Coringa homossexual”. Todos que duvidavam de Ledger ficaram de queixo caído com a performance final, que lhe rendeu um Oscar póstumo de Melhor Ator Coadjuvante.

Vale resgatar também o caso Michael Keaton, o Bruce Wayne de Tim Burton em Batman (1989). Sem corpo atlético, o abdômen definido de Keaton se limitava àquele do traje borrachudo, que sequer tinha movimento de pescoço. Isso sem contar que um dos trabalhos mais recentes do ator havia sido o surtado Beetlejuice, em Os Fantasmas Se Divertem (1988). Dois personagens distintos, totalmente opostos. Por que, no fim das contas, muitos atores se movem por novos desafios e evitam repetir papéis.

"Acredito que a caracterização fiel é um bom começo para termos uma primeira impressão positiva com relação a um ator ou atriz interpretando um personagem fictício", pontua Demerov. "Mas essa impressão só fica quando a performance também é bem feita e fiel à sua essência. É um trabalho complexo que anda de mãos dadas com o visual esperado e a captação exata da personalidade do personagem."

"O mais importante é a essência ser mantida, porque a própria palavra 'adaptação' já deixa claro que podem haver mudanças", constata. "E não devemos esquecer, também, que a nossa própria mente já cria uma certa expectativa com relação a personagens que já gostamos - e talvez seja por isso que as pessoas sempre foram tão apegadas ao visual perfeito acima de qualquer coisa, mesmo antes de conferir o resultado completo."

Barbara Demerov, por sinal, aprovou a escolha de Robert Pattinson como Batman e aposta em uma versão "mais intimista e misteriosa de Bruce Wayne".

Identificação do fã com o personagem
“A maneira como elegemos algum personagem como ídolo deve-se, muitas vezes, pela identificação de alguma característica deste com cada um de nós”, explica Roseleide da Silva Santos, psicóloga da Clínica de Psicologia Viver com Qualidade. “Essa familiaridade pode nos remeter a uma fantasia de que é possível transferir tudo aquilo que não conseguimos realizar em nossa vida a esse; ou seja, idealizamos que essa figura seja competente em sanar nossas carências e, consequentemente, nos fazer sentir plenos.”

Para Roseleide, é possível que o espelhamento entre a pessoa e o personagem explique tal obsessão de ver a obra adaptada fielmente. “A semelhança entre ambos é tanta que acaba por acontecer uma fusão entre o personagem e o sujeito que o admira. Desta forma, a possível descaracterização do personagem pode remeter a uma 'auto-descaracterização'. A possibilidade de mudanças no personagem, sejam elas quais forem, pode desencadear um quadro de instabilidade porque os retira da zona de conforto”, diz.

“Mudar é sair do contexto que é entendido de uma determinada maneira, e isso traz inquietação. À medida que ocorre um distanciamento daquilo que é conhecido, gera-se um desconforto em que se depara com o novo, isto é, implica em encarar o desconhecido, o inesperado”, observa a psicóloga. “E, nessa circunstância, despertam-se dúvidas sobre como será lidar nesse cenário, o que pode provocar um estado de insegurança.”

A psicóloga ainda menciona um fator sempre constante no universo da cultura pop: a criação de expectativas, normalmente elevadas. “É uma aspiração pessoal que diz respeito ao que cada um espera sobre como suas necessidades, anseios e/ou desejos serão atendidos -- mas isso deve ser realizado individualmente e não transferido ao outro. Por isso, nos frustramos”, diz. “Ao nos sentirmos frustrados, condição fundamental à nossa existência, aproximamo-nos de um comportamento geralmente hostil, uma vez que algumas pessoas possuem baixa tolerância a serem contrariadas.”

Com a frustração de não ter as expectativas atendidas, o fã age com hostilidade, e “como exemplo da dificuldade de suportar tal situação, podemos verificar a maneira agressiva de demonstrar alguma insatisfação pois, para muitos, discordância é sinônimo de ataque pessoal”, conclui.

O fã tem poder de mover montanhas (e destruí-las).
O fã nunca teve tanta voz na cultura pop. Foram eles que decidiram se o Robin deveria morrer ou não no arco Morte em Família (1988-1989), quando a DC Comics deu essa opção por telefone, sendo um marco nos quadrinhos.

Hoje, são os mesmos fãs que reclamam do visual do Sonic e conseguem que ele seja refeito antes do lançamento. São eles que criam petições, sobem hashtags de #ReleaseTheSnyderCut e fazem tanto barulho a ponto do estúdio repensar e dar a eles o que querem: uma Liga da Justiça versão Zack Snyder. É admirável e, ao mesmo tempo, preocupante. É muito poder dado às comunidades. E elas são capazes de mover montanhas ou de destruí-las.

Nas horas de raiva, quando um personagem querido seu receber uma adaptação no cinema ou na TV que não atenda às suas expectativas, tenha sua opinião, é seu direito como fã. Mas nada justifica o ataque aos profissionais envolvidos ou ao coletivo. Aproveite sua fidelidade com as obras e pense no que Tio Ben diria nesta situação. Quem sabe algo como "com grandes poderes na internet, vêm grandes responsabilidades de saber dialogar".



https://br.ign.com/batman-1/82000/feature/robert-pattinson-como-batman-por-que-tanto-hate-dos-fas








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